Capítulo: I
O nascimento da princesa
Era um dia de festa no reino de Bartolomeu, rei da Costa Leste, uma das estâncias da Terra Adormecida. - que recebeu esse nome graças aos seus quinhentos anos consecutivos de paz - Bartolomeu era um bom rei e, de fato, ajudava seu povo, mas os recursos das terras do Leste em termos de alimento eram poucos, pois aquelas eram terras pouco férteis obrigando-os a comprar alimentos do Sul._ ah, sim... Aquelas eram terras muito férteis, qualquer um invejaria alguém com mínimo pedaço das terras do Sul. Lá era possível plantar de tudo. _ Apesar das terras pouco férteis, a Costa Leste era conhecida por seus vastos e encantados _segundo as velhas lendas _ campos floridos e suas raras árvores que, no fim do inverno, jorravam suas sementes ao chão, causando assim, uma verdadeira chuva de sementes nos bosques de lá, e eram muitíssimo cobiçadas pelos demais reinos. Esta era a saída para o povo do Leste tirar seu sustento: Comercializar com os povos de outras províncias.
As festas dadas pelo rei em seu palácio eram o principal modo de arrecadar dinheiro para investir na província, afinal, muitos, de muitas regiões, conheceriam as terras e ficariam fascinados com a rara e profunda beleza de suas flores. Como muitos diziam, tinham efeito de hipnotismo. Sendo sua delicadeza imponente, a principal responsável pelas verdadeiras “insanidades” dos visitantes da Costa Leste. As flores-de-lis, _e aquele era o único lugar no mundo onde poderiam ser encontradas_ destacavam-se dentre as demais flores. Realmente acredito nos contos populares sobre um grande encantamento que foi lançado sobre elas. É impossível não reparar numa flor-de-lis da Costa Leste. Como se ela te chamasse, brilhava sobre seu rosto como se possuísse luz própria. Quando se olha pra uma daquelas flores, seu coração se põe a ponto de explodir... É impossível explicar tamanha beleza. Isso sem contar com seu delicioso perfume. Uma fragrância inexplicavelmente forte e suave de maneira simultânea. Nem o melhor dos aromas é capaz de superar seu perfume. Nada, absolutamente nada, se compara às belas flores-de-lis da Costa Leste.
A filha do rei Bartolomeu e da rainha Cecília havia nascido e a festa, na verdade, era dentro dos corações de cada um que povoava aquele reino. A festa decorada, com boa música, bebida e comida para receber convidados estava marcada para dali a três dias.
Todos no reino corriam de um lado para o outro, anotavam coisas, mediam e brigavam com comerciantes, que insistiam em cobrar altíssimos preços por suas mercadorias. O rei lembrava-se a todo o momento de nomes importantes de pessoas da nobreza da Terra Adormecida que seriam convidadas para a festa, e fazia questão de que junto ao convite fosse enviado um ramalhete de flores.
Apenas a rainha Cecília que repousava em sua cama e ao seu lado, a princesa, não haviam sido afetadas por toda aquela agitação que deixava o castelo
Aquelas palavras não pareceram afetar a princesa - pelo menos por enquanto - ela parecia mesmo um Dily, parecia flutuar em seu berço ao mesmo tempo em que dormia. Era mágico estar ao lado dela naquele dia, naquela torre.
Cecília cantava baixinho uma música de ninar muito conhecida pelo povo da costa leste. Falava da saga de um fiel guerreiro vindo do Sul que serviu ao rei Otávio II, rei da costa leste, e conheceu uma bela camponesa com a qual se casou e teve filhos. Conta a lenda, que a moça era um Dily e o enfeitiçou, porém seu encanto quebrou-se, pois ele a amava de verdade. A pequenina princesa, muito quieta, parecia nem ouvir. Mas ela ouvia, com certeza ela ouvia...
Já era quase noite da sexta lua silvestre (segundo o calendário do povo da terra adormecida), todos no castelo, se encontravam em seus aposentos, quando ouviram uma terrível explosão. Eram raios. Muitos raios. E eles surgiam como leões ferozes. Quando “caíam”, produziam luzes que cegaria qualquer um que as olhasse diretamente. Porém, aqueles raios das mágicas terras do Leste eram também, um fantástico espetáculo da natureza jamais visto em outro lugar. E eles ficavam ainda mais belos sobre os campos floridos da Província das Flores.
A chuva não demorou muito a cair. Choveu durante horas, uma chuva suave com raios amedrontadores. Como era típico e esperado naquela região na estação dos eucaliptos (conhecida por nós como inverno).
Com tão repentina chuva, os guardas reais viram-se obrigados a fechar as gigantescas portas de carvalho, talhadas à mão por velhos artesãos do norte - eles eram conhecidos por sua habilidade com a arte em geral - e pintados a ouro pelos servos imperiais durante uma guerra de outrora entre as duas províncias. - as portas foram uma espécie de “bandeira branca”, pois mandaram entrega-las como um acordo de paz, mas isso não vem ao caso agora... - Os guardas reais ainda precisaram vedar a entrada de água do grande poço da cidade com folhas de Irucuna, uma árvore cuja folha media aproximadamente sete metros de comprimento por quatro de largura (quando adulta).
A manhã veio quente e com brisa fresca, o sol iluminava o campo molhado, causando um espetáculo de luzes que, de todos os magníficos fenômenos da costa leste, sem dúvidas, era o maior. Não se podia entender o porquê de a natureza criar algo tão belo, mas não importava, pois quando o via, tudo que estava ao seu redor se perdia. A mente fugia das loucuras diárias, o corpo abandona o casaco. Tudo parava por alguns instantes.
Os servos reais já haviam despertado. Os guardas abriram as portas do palácio e retiraram aos poucos as folhas de Irucuna agora mais pesadas devido à chuva.
Bartolomeu, também já havia despertado, entretanto, ainda não trocara suas vestes, pois assim que acordara, dirigiu-se ao berço de sua filha e ficou a fitá-la com olhos atentos a cada movimento. Podia vê-la já crescida correndo pelos campos do Leste.
Cecília dormia até ouvir um pequeno ruído emitido pela filha assinalando a hora de mamar. A rainha amamentava-a enquanto seu marido se trocava. Bartolomeu selou sua boca contra a de sua esposa em um suave e respeitoso toque, que de tão humilde talvez não conseguisse representar todo o seu amor por ela. O rei desceu as escadas da torre e pôs-se a continuar os preparativos da festa. A rainha trocou-se após amamentar a filha e então a vestiu também, com o auxílio de uma serva. Desceu com sua pequenina nos braços até o berço do Salão Leste onde a depositou delicadamente.
Cecília havia entrado no salão Leste por uma entrada de onde subia uma escada em forma de caracol para acesso ao corredor das torres, um corredor que possuía quatro entradas para as torres do castelo: Norte, Sul, Leste e Oeste. O corredor, ficava à altura do terceiro andar do castelo, porém, era o único lugar acessível desse andar, todo o resto, era formado por paredes sem entrada. Apenas os salões Leste e Oeste possuíam entradas diretas como a utilizada por Cecília. As torres Norte e Sul eram acessadas apenas pela entrada do salão central.
A rainha avistou seu marido logo a sua frente. Lembrou-se de maneira repentina, de uma família nobre da Costa Norte a qual eram muitíssimo ligados, através do afilhado da rainha. Seu nome era Álvaro. Um rapazote muito belo e esperto. Diziam que um dia seria um grande guerreiro da costa Norte, mas sua família não parecia dar grande importância a isso.
A própria rainha havia lhes escrito a carta-convite, que foi conduzida ao seu destino junto às outras cartas, por 24 mensageiros imperiais previamente destinados a uma costa específica, dias antes do nascimento da princesa.
_Onde está meu filho Luís? - Perguntou preocupada a rainha.
_Foi brincar na lama, vossa majestade. - Afirmou o conselheiro encabulado.
_Sua majestade, o porquinho! - Ria-se Bartolomeu.
Aquele dia passou depressa e sem grandes novidades a não ser pela noite extremamente tumultuada por lobos selvagens que invadiram a cidade, o que era normal na Costa Leste em época de luas silvestres. Bastava que entrassem em suas casas, trancassem suas portas e esperassem até a manhã seguinte, que nada lhes aconteceria. Ouviram-se uivos durante toda noite. Incomuns, eram mais graves e operavam belíssimos sonetos por toda a madrugada.
Oitava lua silvestre, véspera da festa da princesa do Leste e mais uma notícia de comemoração de nascimento imperial vinha do Sul:
_O príncipe da Costa Sul, majestade Diogo, irmão de Phelipe, príncipe herdeiro de Amadeu, rei e senhor de toda a Província Sul, acaba de nascer!_ Exclamou eufórico o conselheiro do rei._Um ótimo partido para sua alteza real, filha de vossa majestade, já que Phelipe – o príncipe herdeiro seria melhor, era o que ele queria dizer – já foi prometido à princesa Dhominique da Costa Oeste.
O rei nada satisfeito com as conclusões de seu conselheiro, educadamente disse:
_Sinto-me infinitamente contente pelo nascimento de Diogo, filho de Amadeu, entretanto, considero minha filha ainda muito nova para aprovar partido ainda tão novo quanto ela. E dou-me a liberdade de imaginar que ela própria deseje escolher seu futuro marido. Concluo com isso, que devo esperá-la crescer para que escolha um bom partido, seja ele do Sul, Norte, Oeste ou até mesmo do Leste.
_Mas majestade...
_Basta._ Pronunciou Bartolomeu em tom ríspido._Minha filha mal nasceu e já discutimos o seu casamento?!_ continuou o rei_ Pois saibas, que não tenho a menor pressa de casá-la. Ainda quero vê-la correndo muito por estes prados a se confundir com as flores. Queres tu que eu a perca tão cedo?
_Não, majestade.
_Então não me aborreças, homem. E me ajude com o que nos interessa no momento: A festa!
Por um momento, silêncio.
_ Vamos homem, diga alguma coisa! Tu não és meu conselheiro?! Falas tanto na hora errada e quando preciso de ti, cala-te?
_Sim... Creio, majestade, que devas escrever uma carta à família real do Sul parabenizando-os pelo nascimento de Diogo e convidando-os novamente para a festa de sua majestade, a princesa.
_Eles já devem estar a caminho Afonso, achas que será de bom tom entregar-lhes a carta no meio de sua viagem?
_Creio que será de melhor tom, que manter o silêncio diante do convite.
_Mas eles estarão aqui em breve, talvez seja melhor esperar...
_Não creio senhor, Amadeu pode tomar como ofensa, e se levarmos em conta o passado de guerras de nossa terra...
A principal e fundamental característica de Afonso era seu poder de persuasão, que podia ser por muitas vezes perigoso, mas ele era um bom conselheiro, apesar de seus hábitos conservadores: Sempre lutava para manter o nome da família real em destaque e seu maior temor era ver a costa Leste envolvida
O rei, convencido de escrever a carta, ordenou a um servo:
_Traga-me o papel e a pena.
Respeitosamente, o homem retrucou fazendo uma reverência:
_Devo trazer também a tinta, meu senhor?
_Oh sim, perdoe meu esquecimento. Obrigado, Estevam, traga-me o papel, a pena e a tinta. E aproveite para tirar o resto do dia de folga.
_Sim, majestade. - Disse o rapaz fazendo novamente uma rápida reverência.
_Mas meu senhor, - começou o conselheiro - como liberas um servo assim? Podes precisar de seus serviços, ainda mais agora, com os preparativos da festa...
_Tolice. Tenho tantos servos que nem todos os nossos dedos juntos podem contar.
Logo, o servo chegou:
_Aqui está, senhor! Disse o servo curvando-se diante do rei, deixando que a tinta negra derramasse sobre sua capa.
A rainha, sentada ao lado de sua filha e de seu marido, disse rindo para o rapaz:
_Deves tomar mais cuidado com tuas reverências quando estiveres com tinta nas mãos Estevam, alguns soberanos, tomariam isto por ofensa à sua honra.
Ele imediatamente levantou-se, decerto totalmente desconcertado:
_Perdão majestade, não foi minha intenção. Fiz apenas uma reverência...
_Bem, eu também nem gostava dessa capa mesmo. Ela é muito quente e olhe essas pedras, que coisas horrorosas, nem sei como passei anos usando-a. Chega a ser uma ofensa, fazerem uma capa dessas para um rei.
O servo respirou aliviado.
_Porém, de qualquer forma, mereces um bom castigo, não achas?! – brincou, deixando o servo apreensivo - Devias estar deveras muito cansado Estevam, para permitir que essa tinta se derramasse na capa de um monarca. O resto do dia e a próxima semana lhe será consentida folga. E leve essa porcaria de capa contigo. Pode auxiliá-lo em dia de frio.
O rei retirou sua capa e depositou-a nos braços do servo.
_Agora vá, Estevam! E apenas quero vê-lo por aqui amanhã, recepcionando meus convidados.
Estevam, ainda sem entender nada, continuou, estático, no salão.
_Vá! Antes que eu mude de ideia.
Após um enorme salto, Estevam deixa o salão correndo e ainda na entrada, esbarra em outra serva que derruba o chá da rainha no chão. Nem percebeu a bagunça que havia causado, mas possuía motivo mais forte pra seguir adiante. A serva enfureceu-se, pois além de ter que preparar outro chá ainda teria que limpar aquela bagunça sozinha.
Em meio a risadas a rainha lembrou-se:
_ Lembro-me dele quando criança. Vivia a derrubar tudo pelo castelo, parece que quanto mais velho, mais atrapalhado ele se torna.
_É verdade, mas é fiel, pontual e dedicado, é isso que importa.
_Sim. E falam que cozinha muito bem.
_Ouvi dizer.
Em alguns minutos, Cecília já havia escrito a carta:
_Afonso?! - Bradou o rei.
_Estou aqui, senhor.
_A carta já foi escrita por minha esposa.
_Perdão, mas que carta senhor?
_A carta para Amadeu, ora, que carta seria?!
_Ah, claro! A carta. Havia me esquecido dela. Perdão, majestade.
_Mensageiro! - O homem se apresentou e Afonso prosseguiu – leve esta carta para sua majestade imperial o rei Amadeu, senhor de toda a Costa Sul, e diga que foi enviada por sua majestade imp...
_Diga que eu a mandei. - Interrompeu o rei que já não agüentava mais tantas formalidades. – E vá bem depressa. Provavelmente os encontrará já a caminho daqui e faça o possível para que confirmem sua presença em nossa festa.
_Sim majestade, serei mais rápido que as flechas de Cian, o grande guerreiro.
O mensageiro retirou-se do salão rapidamente. Bartolomeu então começou a andar de um lado para o outro a citar tudo que seria necessário para a festa de sua filha, deixando seu conselheiro tão perturbado, que Afonso o interrompeu agressivamente:
_Cale-se!
Um terrível silêncio tomou conta do castelo. Foi quebrado apenas pelo som de cascos de cavalo se aproximando. Foram todos à porta ver de que se tratava. Afonso mantinha-se agora com feições amedrontadas e encarava o rei como se temesse por sua vida. Os cavalos, que conduziam carruagens, pararam.
Da primeira carruagem desceu uma mulher. – Belíssima. Olhos penetrantes, lábios delicados e avermelhados, bochechas rosadas, e a pele tão clara que lhes parecia a extensão dos raios de sol. As pernas eram torneadas, apesar de ver-se apenas pouco mais que as delicadas canelas. Os cabelos e os olhos eram negros como às ônix de seu anel e colar. Trajava um belíssimo vestido vermelho, ardente como o fogo, assim como a fita acetinada que trazia nos cabelos parcialmente presos:
_Gabrielle, majestade. – identificou-se a moça fazendo uma pequena reverência com o pescoço.
_Gabrielle, minha menina! - Disse o rei eufórico.
_Sim majestade, sua sobrinha bastarda!
_Não digas mais isso, sabes que pra mim tu és até mais que uma princesa. – Disse o rei abraçando-a
_E de quem são estas carruagens? – apontou para o comboio de carruagens atrás da primeira.
_Na verdade, meu tio, nenhuma dessas carruagens me pertence. Quando cheguei à Costa Leste, encontrei pessoas que desejavam fazer entregas em seu castelo. Pareciam-me atarefadas demais para vir até aqui hoje, foi então que me ofereci para organizar vosso palácio com a condição que me trouxessem a vós. Há muito não venho vê-lo, não mais me recordava desse precioso caminho.
_Se houvesse dito a qualquer um que és minha sobrinha, trariam-na a mim e ainda deixariam flores-de-lis por todo o caminho que percorreste.
_Uma sobrinha bastarda?! Creio que não. – parou - Ocorreu-me agora: Onde está meu primo Luís?
_Creio eu, que seja aquele monstrengo de lama bem ali. – Disse apontando para perto deles.
_Majestade, - Disse reverenciando o garotinho - repelente para insetos?
_Na verdade, estava a desbravar novas terras como Cian, o grande guerreiro. Procurava tesouros para dar a mais bela das princesas. – explicou-se o príncipe retribuindo a reverência.
_Compreendo. E encontraste alguma coisa?
_Nada que faça jus à vossa infinita beleza, mas encontrei algo que possa ter ligeiro valor. – tirou do bolso uma pedrinha cheia de lama e entregou-a a Gabrielle. – Guarde-a, pois a quero ver usando no dia de nosso casamento.
_Sim majestade. Guardarei assim como guardo a ti dentro de meu coração. – Encerrou dando-lhe um beijo na testa, única parte do corpo do príncipe que ainda parecia limpa.
Foram interrompidos pela voz autoritária de Cecília:
_Venha Luís, tomarás um banho e esfregarás das pontas dos pés até as orelhas.
_Agora vá cumprir vosso cruel destino. – arrematou Gabrielle enquanto tinha as mãos beijadas pelo príncipe.
A rainha levou seu filho, quando Gabrielle reaproximou-se para falar com o tio, enquanto caminhavam pelos jardins do castelo:
_É um garoto muito culto para seus sete anos. E criativo. Uma imaginação de dar inveja! – disse rindo.
_Culto, mas que não abandonou as brincadeiras na lama. – acrescentou Bartolomeu ironicamente.
_Quando abandonar esse hábito será o homem que guardará o coração das moças de toda a Terra Adormecida. Esse garoto ainda lhe dará trabalho meu tio, eu garanto!
_Não mais do que me dá enquanto criança.
_É inestimável o quão aprazível mostra-se esta conversa meu tio, mas preciso instalar-me e começar a ajudar nos preparativos para a festa ou não teremos nada pronto amanhã.
_Está certa minha sobrinha, a levarei até a torre em que irá se instalar.
Os dois seguiram para dentro do castelo em direção à torre Norte. - torre destinada apenas a hóspedes. – eles seguiram por dentro do salão Norte, que era o salão de entrada do castelo, as enormes portas frontais davam um ar imponente ao palácio, logo ao lado da porta havia dois suportes para tochas. Um tapete em tom de vinho se estendia por todo o salão e as paredes de um cinza muito escuro contrastavam com delicados móveis de madeira muito bem trabalhados. As janelas iluminavam com excelência a bela entrada e davam leveza ao ambiente pesado - Repentinamente Gabrielle foi derrubada por um vulto. Era Estevam.
Gabrielle ficou caída,
_Que pensaste servo? Apenas porque sou da nobreza não sei me levantar sozinha?! Vamos, eu o ajudo.
Afonso observava tudo aterrorizado com os modos pouco tradicionais de Gabrielle.
Estevam levantou e pediu desculpas a ela que o olhou profundamente nos olhos a pronunciar:
_Nunca se deixe enganar por uma mulher. Depois disso, estarás condenado a ser eternamente parte dela.
Gabrielle e Bartolomeu seguiram para a torre, enquanto Estevam permaneceu imóvel. Parecia tentar memorizar os traços do rosto mais perfeito que já havia visto ao mesmo tempo em que sentia o som de cada palavra dita a ele entrar por seus ouvidos, mas não compreendia o que exatamente ela tentara lhe dizer com aquelas palavras.
Na torre Norte, Gabrielle recordava-se admirada da paisagem maravilhosa que se encontrava à sua janela.
_Não me lembrava direito disso tudo, mas eu jamais me esqueci desses campos de lis. Não há nada como isso em toda a Terra Adormecida.
_As terras do Leste podem não ter as melhores plantações ou os melhores homens pra trabalhar na terra, mas a província leste tem algo que nenhuma das outras tem, ela é encantada. Encantada e habitada por seres mágicos. Em toda parte de nossas florestas, há muito mais vidas que se imagina...
Tudo ficou em silêncio por exatos dez segundos. Não ouviam sequer o som dos pássaros.
O silêncio foi quebrado por Gabrielle:
_Vamos, meu tio. Há muito a fazer!
Bartolomeu e Gabrielle foram observar mais detalhadamente a princesa, que dormia no colo de Cecília. Depois, por ordem de Afonso, as carroças foram descarregadas. Os alimentos foram para a cozinha, as flores e os belos tecidos foram espalhados por todo o castelo.
Os servos, comandados por Gabrielle, trabalharam durante todo o dia. Ainda pela noite, o castelo já estava preparado para a festa.
_Estou preocupada, - disse Gabrielle a uma serva na porta da cozinha – e se essas flores murcharem até amanhã?
_Você não conhece as flores do leste? Elas são encantadas, não murchariam antes da festa. – disse a serva entrando na cozinha.
Por volta das oito horas, o rei recebeu um mensageiro:
_Os convidados estão se instalando na província, majestade. Tivemos notícias do mensageiro enviado à costa Sul. Parece que encontrou o rei Bartolomeu e seu filho, o príncipe Phelipe ainda a caminho. A rainha, devido ao parto recente, não pôde vir.
_Boas notícias me traz, mensageiro. Esteja aqui amanhã com sua família!
_Com sua licença majestade. – fez uma reverência e saiu.
Pela noite, Gabrielle olhava atenta os detalhes do salão Central, que possuía duas escadarias enormes, as maiores do castelo e eram as mais imponentes do palácio. Elas eram recobertas, assim como o chão, por um tapete tom de vinho aveludado. De cada lado havia uma porta além da principal que davam acesso aos salões Leste e Oeste. Ao fundo destacava-se um pequeno altar sob um anel formado pela escada. Gabrielle subiu, passou por um vão escuro sobre a escada, guiada pela luz de tochas à sua frente, mais um lance de escadas, e ela se deparou com o corredor de acesso às torres. As torres Sul e Norte, tinham uma mesma entrada, que pouco acima se dividia uma para frente e outra para os fundos.
À luz de uma vela, subiu a escada da torre Norte e ainda no meio da escadaria, ouviu uma voz. Não uma voz comum, soava docemente, mas trazia consigo o sopro da morte, não passando de um murmúrio horripilante. Assustou-se e num reflexo virou-se, procurando algo que lhe explicasse o medo, mas antes que pudesse ver, deixou que a vela escorregasse de suas mãos suadas. Sentiu como se o vento tocasse seus cabelos, porém, a janela mais próxima ficava muitos lances de escada acima. Seu corpo, congelado pelo medo, ouviu em meias palavras o conselho da consciência, e arrastando-se degrau a degrau, chegou ao cume da torre molhada pelas lágrimas. O quarto era iluminado por duas tochas, olhou tudo à sua volta. Não havia nada lá.